É lugar comum toda essa pompa dos tempos passados, a certeza de que perdemos alguma coisa irrecuperável ao longo dos anos, uma certa capacidade de ter capacidades irrevogáveis e mais fortes do que qualquer lâmina que nos colocassem corpo a dentro, toda geração torna-se a última, o mais heróico Alamo a sustentar as virtudes mais divinas de um povo tão humano que pouco de humanidade tem.
Hoje um velho me disse que os tempos mudaram, que os vermelhinhos já se acovardaram há muito, assim mesmo, vermelhinhos, sem Socialismo Real e sem nada, ele me disse que esteve presente durante a Revolução de Maio, adendo, "da qual você nem sequer ouviu falar", e que já não pode mais ser enganado, que já pagou o preço da idade e soube muito bem colher os seus frutos, que eu ainda sou novo, que tenho muito a aprender.
Um velho tucano é só um homem, é só uma ave procurando um bando que não sabe bem onde está, é uma criatura ameaçada por uma vida, por um tempo, por uma país que talvez não sejam mais seus, é um animal de bico duro e língua afiada e não mede palavras, que não se importa com estranhos, que sabe com a mesma certeza de que existe que a vida não é mais uma surpresa, que a vida pra valer já se acabou ali atrás nos velhos tempos, no velho Alamo, e que agora é tudo uma encenação, uma peça de crianças e papier maché.
"Da qual você nem sequer ouviu falar."
São poucos os momentos de forno à lenha e luz de velas que nos permitem sentar sem preocupações, escutar nossos avós desenrolarem lembranças de um mundo totalmente novo e ainda assim empoeirado, a fila na padaria, os cruzados novos, a banca do gato preto, e fica um sentimento de criança com borboletas nas mãos, com medo de respirar forte demais e destruir uma coisa que pouco faz por existir, uma coisa assim da qual eu nem sequer ouvi falar.
Mas eu também já vi suspiros e arrepios vindos da cadeira de balanço, uma coisa besta que encanta e seduz, a nova musa do carnaval, os planetas todos ali na televisão, um mundo todo que se sobrepõe ao nosso permeado de diários eletrônicos e fotos e mensagens instantâneas, as possibilidades todas de saudade amenizada com o toque de um botão, eu vi feitos que se imaginavam impossíveis serem superados um após o outro como fossem nada, e eu assisti a tudo isso com uma naturalidade de quem se sente em casa.
Se as pessoas realmente podem ser de outro tempo, se o vir a ser realmente nos impõe um selo irrevogável que nos condena a um estado de coisas aquém das coisas do mundo, do hoje, se ele nos obriga e condiciona a uma mentalidade temporalmente cristalizada, o que existe não é uma vida, é um museu.
O mundo continua, e há tantas coisas das quais ainda nem ouvimos falar.
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