16 julho 2010

Nem com dez

"Uma vez topamos com um bando de peregrinos estúpidos lá pros lados do Llano e o velho que era o chefe deles foi logo falando em holandês como se a gente estivesse no país dos holandeses e o juiz respondeu sem nem piscar. Glancon quase caiu do cavalo. A gente nunca tinha ouvido ele falar assim. Quando nos perguntamos onde aprendeu sabe o que ele disse?

O que ele disse?

Disse que com um holandês

O ex-padre cuspiu. Eu não aprendia nem com dez holandeses. E você?"

Meridiano de Sangue, Cormac McCarthy.


Me lembrei de um sonho - que nem é meu, mas já me falta na memória a casa de onde saiu - no qual pessoas discutiam em holandês, e lá estava eu a apontar os erros das inflexões, as brechas nas cadeias causais e coisa e tal; acordei triste com a certeza de que sou mais inteligente quando sonho.

14 julho 2010

Desses homens

Sou desses homens que não choram em cena, mais pra Woody do que Penn, desses homens criados com mertiolate e ovos no café da manhã, homens que usam canetas e não se importam se a borracha não pode consolar, homens que dormem sem pijamas com a roupa do dia já quente pro dia seguinte, sou um desses homens que tem ossos duros e canelas afiadas a lascar as canelas das mesas, sou desses homens que não tem gatos, homens com histórias de coisas distantes e outros mundos de fantasia, rudes, barbudos, de olhos baços e lábios ressecados, desses homens sem pressa e de caminhar pesado, de pés sempre nos mesmos sapatos.

Sou um desses homens que não choram em cena, porque é no choro que a cena acaba, sem fôlego pra mais nada além da vergonha, além do ensaiar impotente de qualquer coisa que nem sei; desses homens criados com mertiolate no joelho e beijos de mãe na testa, de ovos cozidos em xícaras de café floridas; sou desses homens que usam canetas em cartas de amor, porque o amor é uma coisa que borracha nenhuma apaga; sou desses homens que dormem sem pijamas na frente da TV, escutando música, cheio de sonhos e carinhos; sou desses homens que tem ossos duros e canelas afiadas, deitado de meias de lã me esfregando nos pés macios dela; sou desses homens que ainda não tem gatos, mas que já tem nomes e vontades guardadas no bolso; sou desses homens com histórias de coisas distantes, de cidades de infância, rudes por serem Homens, barbudos pelo sangue, de olhos baços e lábios ressecados nessa madrugada profunda sob as cobertas a dividir histórias e o frio; sou desses homens sem pressa e de caminhar pesado, meio sem ter pra onde ir, meio não querendo ir pra lugar nenhum, de pés sempre nos mesmos sapatos - as pantufas dela que ficaram pra trás.