05 março 2010

São Paulo 40 graus

A chuva não durou muito, mas veio na hora certa, precisa, como um compromisso de amor antigo cercado de todos os seus rituais inabaláveis, a chuva chegou sem anúncio e sem nuvens escuras em meio a um sol de rachar, pedestres caminhando aos pulinhos no súbido desespero de meias e ternos molhados, mas a coisa toda foi só uma visita rápida, guarda-chuvas em punho mas nenhuma dignidade em abrí-los diante daquela timidez, o asfalto fumegando, o vapor cozinhando as canelas dos mendigos e dos atletas e ainda assim uma esperança enorme no ar.

O sol lá de fora é o mesmo aqui de dentro, as cortinas todas como peneiras idiotas, as janelas escancaradas e nenhuma brisa através desse pano todo, só o sol, como ela fosse nada, como fosse o vidro que eu fiz questão que não estivesse lá, e esse calor esquenta também os temperamentos, a paciência escorre pelos meus joelhos, ou talvez seja só o suor, mas há toda uma atividade de músculos e nervos e dentes que se debatem e rangem atirados no sofá, as costas coladas no couro, a TV que não ajuda, os livros que não seduzem, o banho quente demais.

Apesar do suor é uma coisa assim nova, assim boa estar por essas lados do mundo, conhecendo um lado da cidade que passava desapercebido, uma face bonita e suada que esconde essas pequenas coisas que nos faltam o ano todo, aquele restaurante vazio, o trânsito dando trégua, o depertador desligado, a casa com cheiro de casa.

A minha paciência ainda está escorrendo pelos joelhos, ou talvez seja só o suor, mas com essa música eu sempre consigo um pouco mais, e com aquela foto eu sempre consigo um sorriso, e com um telefonema eu sempre consigo um suspiro, e no final de um dia desses, de um dia quente desses, eu também acabo ficando quentinho por dentro.

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