31 dezembro 2008

Verão (ou O Inferno sem vento)

Uma vez li que o frio congela o coração e facilita a literatura, torna as palavras mais sóbrias, mais precisas, que a boa literatura sempre esteve distante dos trópicos assim como uma boa emoção só pode ser expressa sem muita emoção, bom, obviamente eu sempre achei tudo isso uma grande besteira, mas é bem verdade que muitas das coisas que escrevemos nas madrugadas, entre as lágrimas e o álcool, são demasiadamente sublimes pra qualquer coisa além do coração tomar parte, ou pra ser mais preciso, demasiadamente sublimes pra qualquer coisa além do nosso coração tomar parte.

É lugar comum esperar que todos sintam as mesmas linhas da maneira que as acreditamos ter escrito, e nem é pecado julgar as coisas a partir de dentro, tendo um pouco de fé que é possível verter um sentido mesmo das maiores insânias de verão a partir de um espelho e um diário; mas as coisas não são assim, somos inevitavelmente menos precisos do que gostaríamos, inadvertidamente mais ignorantes do que percebemos, irremediavelmente mais egoístas do que nos permitimos; eu não entendo muita coisa, mas ainda assim me surpreendo quando percebo qualquer coisa assim.

É também difícil amar no verão, porque amar só com o coração também não é amor, se ama de corpo inteiro e a cabeça também é parte desse corpo; mas as paixões de verão, ah as paixões essas sim são muitas, como chuvas verão, que mais atrapalham do que ajudam, que evaporam antes mesmo de tocarem o asfalto quente, antes do fim da noite, antes da sobriedade ter tempo de bater à porta.

Eu sempre fui uma criatura do deserto, sem tempo pra qualquer outra coisa que não perseguir desesperadamente uma sombra de dia, e ainda assim, morrendo de frio nas noites curtas e intermináveis; mas hoje um deserto é uma ameaça, abandonei os trópicos e me refugiei em ventos mais amenos, em chuvas mais constantes, em uma luz mais modesta, escolhi um amor de inverno, um amor de corpo todo, um amor de razão, de escolha, de balança, um amor de coração, do verão das cobertas, do calor de corpos entrelaçados.

Sem amor é sempre quente demais, sem vento, e com uma chuva que só decepciona; uma vez li sobre um lugar assim, quente demais, e o nome dele era Inferno.

3 comentários:

Junior disse...

Sinceramente, um dos melhores textos que li nos últimos tempos. Parabéns, mesmo. Você consegue dissecar uma opinião de tal forma que ela pareça ser o que não é.

E concordo com você quanto aos amores de verão, o que em suma, reflete o verão como tema em si.

Abraços e um excelente 2009

Anônimo disse...

Feliz 2009. Olha,adorei o texto, é, outro nome que dão para lugar mto quente é Centro-Oeste brasileiro...hehe. Um beijão. Saudades já.

.may disse...

O calor só é aceitável quando vem de dentro, das razões que impulsionam o coração bater e o sangue fervilhar. Assim esse calor, ou melhor, esse amor, percorre da cabeça aos pés, do coração à alma.
E apesar de toda essa distância e desse inverno, meu coração permanece aquecido com as lembranças, e a certeza de um amor que já tem pra onde voltar... pra casa.