04 maio 2010

A bruxa

Uma bruxa entrou pelas cortinas fechadas,
Me pediu ingredientes antigos e sangue fresco,
Eu disse que não tinha muito o que oferecer,
Disse que tinha medo e saudade,
Disse que tinha amor e esperança,
A bruxa me pediu liberdade, me pediu inconsequência,
Eu disse que esses ingredientes faltavam a todos,
A bruxa me disse que era velha, que era rainha,
Me disse que viu o pecado nascer,
Que viu a força irrefreável dos homens no solstício dos tempos,
A bruxa me disse que ela era mais velha que o bem e o mal,
Que não conhecia os pormenores do certo e o errado,
Que era uma força da natureza guiada pelas marés do mundo,
Sem certo, sem errado,
Na crua violência e justiça da inocência,
A bruxa sacudiu a terra e rachou os céus,
Ela me pediu o coração,
Lhe ofereci minhas intenções,
Ela as recusou como se fossem vinho azedo,
Me disse que não queria propósitos, queria possibilidades,
E esperanças?
Só as não sonhadas, só aquelas que corriam soltas pelas estepes do futuro,
Perguntei-lhe o nome,
Chamou-me ousado, ferino,
Homens sempre nomeando as coisas,
Amarrando tudo pelas palavras no desespero tolo de controlar o que não conhecem,
Perguntei-lhe quem era,
O todo, a canção, a noite, aquilo que foge do alcance das palavras,
Eu disse que não tinha nada a oferecer
A bruxa me olhou sem olhos, me tocou sem mãos,
Ela me disse que ainda sou pouco, que ainda somos pouco,
Que agora entendia que somos assim frágeis,
Assim tolos,
Que fazemos pouco em existir,
Que não há nada que nos possa tirar sem que viremos nada,
Sem que sejamos conjugados em um tempo fora do tempo,
Lhe pedi desculpas,
A bruxa disse que isso podia me dar,
Ela me pediu tempo,
Paciência para que as coisas das estepes do futuro possam chegar,
Que elas sempre chegam na hora,
Hora que não é certa nem errada,
E eu disse que isso podia lhe dar.

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