24 abril 2009

O paletó

Estou a cumprir as formalidades, mesmos aquelas empoeiradas, aquelas que rangem sob o pó e as aranhas secas de tédio; é nuvem de sangue, o corpo cora, e cora assim de vergonha de sentir-se só, vergonha de ser o único, vergonha singela estar sozinho, como quem vai ao baile com a prima, com a irmã, com as bochechas róseas, mas o paletó impecável, e vejam só, mal a puberdade bate e o paletó impecável, ainda que o zíper fique por baixo da gravata, ainda que o velcro esteja por baixo dos cadarços, o paletó impecável.

E o sapato sem meia, essas formalidades de passarela, esses ensaios todas de vida e de morte, essa coisa toda de que a escola é um palquinho, massinha pra sujar as mãos e já ficar tinindo com as formalidades todas, mas de quando em quando essas formalidades ficam empoeiradas e a gente fica com medo de bater o pó e arranhar a pintura, e esquece que a escola não é um ensaio pra vida, mas que a escola é a própria vida, sem respeito, com bolada na cara, com giz na garganta, com boletins e ocorrências.

Estou a cumprir todas as formalidades, tossindo, lacrimejando, mas o paletó está impecável.

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