21 novembro 2008

Herói

Nunca tomei parte em uma briga, mesmo dessas que acontecem sem razão alguma, nunca tive que defender fisicamente alguém, nunca me sangraram o rosto aos pontapés, nunca rastejei sobre vidro quebrado tentando fugir pela porta no fim do corredor, mas eu sempre achei que deveria.

Tenho uma ou duas cicatrizes, uma coleção bem pequena quando comparada a todas as brincadeiras de criança que acabaram comigo de joelhos esfolados no asfalto, ou caindo do topo daquela árvore que acabara de escalar com muito custo, ou ainda, os patins de Natal cujas rodas apontavam mais para o céu do que para o chão. É por esta e algumas outras razões que sinto um vazio, uma certeza surda de que morreria vergonhosamente em uma ilha deserta, de que seria incapaz de matar alguma criatura de sangue quente para ver mais um dia, de que em nenhuma circunstância sacrificaria meu corpo, tal qual um lobo desesperado por livrar-se de uma armadilha, para sobreviver mais uma vez.

São poucas as chances de uma passagem tranquila por aqui, sem uma grande tragédia das nossas vidas, sem aquele momento no qual nos será preciso provar uma vontade absoluta, inabalável de persistir, de atravessar tudo só pra estar aqui; minha vida é confortável, tenho saúde, tenho minha família guardando minhas costas, tenho alguém guardando meu coração, é por isso que me pergunto quando nascerá a minha rosa de Hiroshima.

Tenho medo da dor porque com ela não fui acostumado; não reconheço força alguma por aqui, porque força nunca me foi preciso; sou um selvagem por convicção, por necessidade, por uma inegável fraqueza dos ossos que precisam apoiar-se em alguma certeza, em alguma generalidade que me convença que eu sou especial; tenho medo de ser a última pessoa com quem se possa contar porque talvez estejam pedindo comida a um faminto, talvez eu não saiba o que fazer quando for preciso salvar o mundo.

Mas salvar o mundo nunca me foi preciso.

Nenhum comentário: